HIPOPÓTAMO MISANTROPO
Marcos Rodrigues
ATO I
CENA I
Tchiluanda, Hipopótamo
TCHILUANDA
Então, que tem?
HIPOPÓTAMO
Deixe-me dentro do rio, por cortesia.
TCHILUANDA
Mas, afinal, por que toda essa bizarria?
HIPOPÓTAMO
Voe daqui, para as margens, e busque se esconder.
TCHILUANDA
Mas antes deve ouvir, se vai se aborrecer.
HIPOPÓTAMO
Quero me aborrecer debaixo d’água, e não quero escutar.
TCHILUANDA
Seus repentes de raiva eu não sei decifrar;
E, se somos amigos, e está contra mim…
HIPOPÓTAMO
Eu, seu amigo? Esqueça essa ilusão, enfim!
Toda a vida, até aqui, por comensalismo fi-lo,
Mas, já que a nova luz eu comecei a vê-lo,
Nossa amizade é coisa já de tempos idos:
Não quero ser amigo de pássaros corrompidos.
TCHILUANDA
A seus olhos, Hipopótamo, então eu sou culpado?
HIPOPÓTAMO
E devia morrer, de tão esfomeado.
Ações assim não há quem possa desculpar;
E a todo animal de bem hão de escandalizar.
Eu o vejo cobrir de afeto um rinocerontezinho,
E dar-lhe testemunho do maior carinho;
São protestos e ofertas de perenes laços,
Feitos comendo-lhe todos os carrapatos;
E depois, se pergunto quem é tal bicho,
Nem sequer, de ti, sai do bico um cochicho.
Se eu chegasse a tal ponto num’ hora de azar,
Só de por punição iria me assar.
TCHILUANDA
Se por aquele em quem pouso, recebido sou com calmaria,
É meu dever tratá-lo com igual cortesia,
E à alimentação que recebo responder
Com a limpeza que eu puder oferecer
HIPOPÓTAMO
Eu não posso admitir conduta tão humanamente imoral,
Que a moda de hoje em dia impõe sobre todo animal;
E a nada odeio tanto quanto às simulações
Dos que nos vêm saudar quase que em convulsões,
Produtores afáveis de futilidades
Que, pressurosos, jorram mil frivolidades,
E se batem na busca do elogio vão,
Tratando de igual modo o honesto e o bobalhão.
Que vantagem será em que um homem o estime,
Jurando-lhe respeito e amizade sublime,
E lhe teça elogios de modo gentil,
Se na corte ele diz o mesmo a um imbecil?
Não; pra alma correta não terá sentido
Prezar um sentimento assim prostituído.
Que glória há de ela ter em ser muito louvada,
Se com todo o universo assim é misturada?
A nossa preferência sempre escolhe a alguém:
Quem gosta de todos não gosta de ninguém;
E se tais vícios têm a sua aprovação,
Não posso, então, meu Deus, dar-lhe a minha afeição.
Recuso o coração que é assim complacente,
E que entre o bom e o mau se mostra indiferente.
Quero ter meu valor, e para ser sincero,
Quem ama todo mundo para mim é um zero.
TCHILUANDA
Ao mundo em que se vive é forçoso ceder,
Ser um pouco gentil pra poder conviver .
HIPOPÓTAMO
Ao contrário, é preciso punir, sem piedade,
O horrível comércio do aspecto da amizade.
FONTES
"O Misantropo" - Molière
Várias pesquisas no Google sobre características de hipopótamos
Marcos Rodrigues
ATO I
CENA I
Tchiluanda, Hipopótamo
TCHILUANDA
Então, que tem?
HIPOPÓTAMO
Deixe-me dentro do rio, por cortesia.
TCHILUANDA
Mas, afinal, por que toda essa bizarria?
HIPOPÓTAMO
Voe daqui, para as margens, e busque se esconder.
TCHILUANDA
Mas antes deve ouvir, se vai se aborrecer.
HIPOPÓTAMO
Quero me aborrecer debaixo d’água, e não quero escutar.
TCHILUANDA
Seus repentes de raiva eu não sei decifrar;
E, se somos amigos, e está contra mim…
HIPOPÓTAMO
Eu, seu amigo? Esqueça essa ilusão, enfim!
Toda a vida, até aqui, por comensalismo fi-lo,
Mas, já que a nova luz eu comecei a vê-lo,
Nossa amizade é coisa já de tempos idos:
Não quero ser amigo de pássaros corrompidos.
TCHILUANDA
A seus olhos, Hipopótamo, então eu sou culpado?
HIPOPÓTAMO
E devia morrer, de tão esfomeado.
Ações assim não há quem possa desculpar;
E a todo animal de bem hão de escandalizar.
Eu o vejo cobrir de afeto um rinocerontezinho,
E dar-lhe testemunho do maior carinho;
São protestos e ofertas de perenes laços,
Feitos comendo-lhe todos os carrapatos;
E depois, se pergunto quem é tal bicho,
Nem sequer, de ti, sai do bico um cochicho.
Se eu chegasse a tal ponto num’ hora de azar,
Só de por punição iria me assar.
TCHILUANDA
Se por aquele em quem pouso, recebido sou com calmaria,
É meu dever tratá-lo com igual cortesia,
E à alimentação que recebo responder
Com a limpeza que eu puder oferecer
HIPOPÓTAMO
Eu não posso admitir conduta tão humanamente imoral,
Que a moda de hoje em dia impõe sobre todo animal;
E a nada odeio tanto quanto às simulações
Dos que nos vêm saudar quase que em convulsões,
Produtores afáveis de futilidades
Que, pressurosos, jorram mil frivolidades,
E se batem na busca do elogio vão,
Tratando de igual modo o honesto e o bobalhão.
Que vantagem será em que um homem o estime,
Jurando-lhe respeito e amizade sublime,
E lhe teça elogios de modo gentil,
Se na corte ele diz o mesmo a um imbecil?
Não; pra alma correta não terá sentido
Prezar um sentimento assim prostituído.
Que glória há de ela ter em ser muito louvada,
Se com todo o universo assim é misturada?
A nossa preferência sempre escolhe a alguém:
Quem gosta de todos não gosta de ninguém;
E se tais vícios têm a sua aprovação,
Não posso, então, meu Deus, dar-lhe a minha afeição.
Recuso o coração que é assim complacente,
E que entre o bom e o mau se mostra indiferente.
Quero ter meu valor, e para ser sincero,
Quem ama todo mundo para mim é um zero.
TCHILUANDA
Ao mundo em que se vive é forçoso ceder,
Ser um pouco gentil pra poder conviver .
HIPOPÓTAMO
Ao contrário, é preciso punir, sem piedade,
O horrível comércio do aspecto da amizade.
FONTES
"O Misantropo" - Molière
Várias pesquisas no Google sobre características de hipopótamos