ANATOMIA DA TRISTEZA
Liliana Teixeira
Comecei a criar este trabalho a partir da minha tristeza.
Eu não sou só triste,
sou uma simples turbina para criar um turbilhão,
uma miúda sentada no escuro, anos a fio.
Estou à procura de matéria, matéria indomável,
talvez um raio de luz, uma brisa suave,
depois chuva forte, um aguaceiro,
uma tempestade com torrentes de água.
Apercebi-me que o discurso deste trabalho responde
ao movimento do ar sob uma nuvem aparentemente inofensiva.
Apercebi-me que, na minha investigação, juntei fragmentos,
frases e brechas que se deformam e distorcem
à medida que o ritual avança.
Sou um espaço, uma caixa formada por preciosidades, muito sérias, pouco sérias,
absurdas e vulneráveis.
Sou um espaço gerador de dor e de esperança, uma máquina exposta
a estremecimentos mecânicos que escapam à força da gravidade
e que voam, livres, na valsa arbitrária do ar.
Dei a volta ao mundo para voltar
à minha tristeza particular, no final.
Esperei que o vento forte me ajudasse
a ultrapassar obstáculos, por oceanos e montanhas.
Travei batalhas incertas, de pé, de cabeça para baixo, liberta das minhas raízes,
e ainda não sei bem,
não tenho respostas.
Lembro-me da primeira vez que fui palco, fábula e espectador.
Talvez tenha sido nesse momento que a minha mente tropeçou em palavras estranhas: entranhas,
uma espécie de anatomia de tristeza,
um planeta cada vez menos natural.
Neste trabalho estão as raízes de uma ambição perigosa
a reflexão sobre a peça que falta ao palco do espectador.
Eu não sou só triste.
Sou uma personagem que desenha trajetórias
firmemente ancoradas ao chão, à medida que o ritual ganha forma
e as paredes sangram e sangram,
num espaço controlado pelo protagonista que não sou
e
nunca fui.
PROCEDIMENTO
Cut-up
FONTES
Revista Sábado, nº 929 – 17 a 23 de fevereiro de 2022
Publicação 2/3, programação da temporada 21/22 do Teatro Municipal do Porto – Edição JAN-MAR (01-03) 2022
Liliana Teixeira
Comecei a criar este trabalho a partir da minha tristeza.
Eu não sou só triste,
sou uma simples turbina para criar um turbilhão,
uma miúda sentada no escuro, anos a fio.
Estou à procura de matéria, matéria indomável,
talvez um raio de luz, uma brisa suave,
depois chuva forte, um aguaceiro,
uma tempestade com torrentes de água.
Apercebi-me que o discurso deste trabalho responde
ao movimento do ar sob uma nuvem aparentemente inofensiva.
Apercebi-me que, na minha investigação, juntei fragmentos,
frases e brechas que se deformam e distorcem
à medida que o ritual avança.
Sou um espaço, uma caixa formada por preciosidades, muito sérias, pouco sérias,
absurdas e vulneráveis.
Sou um espaço gerador de dor e de esperança, uma máquina exposta
a estremecimentos mecânicos que escapam à força da gravidade
e que voam, livres, na valsa arbitrária do ar.
Dei a volta ao mundo para voltar
à minha tristeza particular, no final.
Esperei que o vento forte me ajudasse
a ultrapassar obstáculos, por oceanos e montanhas.
Travei batalhas incertas, de pé, de cabeça para baixo, liberta das minhas raízes,
e ainda não sei bem,
não tenho respostas.
Lembro-me da primeira vez que fui palco, fábula e espectador.
Talvez tenha sido nesse momento que a minha mente tropeçou em palavras estranhas: entranhas,
uma espécie de anatomia de tristeza,
um planeta cada vez menos natural.
Neste trabalho estão as raízes de uma ambição perigosa
a reflexão sobre a peça que falta ao palco do espectador.
Eu não sou só triste.
Sou uma personagem que desenha trajetórias
firmemente ancoradas ao chão, à medida que o ritual ganha forma
e as paredes sangram e sangram,
num espaço controlado pelo protagonista que não sou
e
nunca fui.
PROCEDIMENTO
Cut-up
FONTES
Revista Sábado, nº 929 – 17 a 23 de fevereiro de 2022
Publicação 2/3, programação da temporada 21/22 do Teatro Municipal do Porto – Edição JAN-MAR (01-03) 2022